segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Luzes na escuridão (nem sempre são tão boas assim)

Há alguns anos eu estava sentada na pedra do Arpoador no Rio de Janeiro assistindo ao pôr do sol, num evento clichê, mas maravilhoso da cidade maravilhosa, quando olhei para o lado e vi que duas meninas estavam sentadas de costas para o Morro Dois Irmãos, onde o sol se põe, para poderem tirar fotos com o pôr do sol ao fundo. Não falavam do mar azul e calmo, ou dos turistas e moradores que estavam ao nosso redor, ou dos ambulantes que ofereciam de batidas e refrigerantes a biscoito Globo e camarão, mas só de como estavam ficando as fotos a serem postadas e se já estavam recebendo curtidas.

Outro dia estava no cinema e bem na minha frente, quando o filme já estava começando, alguém resolveu que era uma boa hora de dar check in no Facebook informando que cinema e filme estava assistindo.

Dias depois estava no teatro assistindo à uma peça super densa sobre o período da escravidão no Brasil. Um homem que sentou na frente e no canto do teatro resolveu filmar a peça com um celular daqueles bem grandes, chegando ao ponto de falar ao telefone e deixar cair o aparelho no chão com um estrondo para, em seguida, ficar virando o aparelho em todas as direções em pleno ambiente escuro do teatro e com a peça rolando. Ao sair do teatro ouvíamos mais comentários das pessoas sobre o grau de inconveniência do homem do que da peça.

Há uma semana fui ao Theatro Municipal de São Paulo assistir à peça musical O pequeno príncipe preto. Já não é a primeira vez que noto que lá quando as pessoas abrem os celulares durante os espetáculos há pessoas armadas com canetas laser para apontar as luzinhas vermelhas nos criminosos para que elas guardem os celulares, estejam elas filmando ou mandando mensagens e, mesmo assim, chegando a haver quatro luzinhas de laser em uma pessoa, a mesma continuou mandando suas mensagens tranquilamente. Nessa mesma peça teve uma, mais ousada, que chegou a atender uma ligação durante o espetáculo, que dura somente uma hora, irritando a todos ao redor e sendo conduzida para atender à chamada no corredor.

Hoje pela manhã fui a um evento que consistia de uma jornada de palestras feitas por profissionais voluntários e super capacitados, evento este quase gratuito que dificilmente eu teria acesso e que eu estava muito envolvida, participando e prestando muita atenção. Pois várias pessoas, ao invés de prestar atenção nas palestras, estavam lá com o celular aberto no colo ou em óbvio disfarce dentro da bolsa.

Nos últimos dias, conversei com diversas pessoas a respeito do uso do celular, do qual eu estou, cada vez mais, tentando viver com menor vínculo, uma vez que notei que o constante uso do aparelho só aumenta minha ansiedade e diminui o meu foco. Notei que há uma gradativa tendência das pessoas se darem conta do quão nocivo é o uso excessivo dos celulares nas relações e para o dia a dia e, alguns estão se trabalhando, em uma clara alusão ao fato de estarem viciadas no uso do aparelho, para se condicionarem a acessar menos e menos os danadinhos.

Sobre os meus relatos acima, será que precisamos mesmo postar tudo o que fazemos nas redes sociais? Será que falar com o mozão, um amigo ou parente durante um filme, palestra ou evento que dura no máximo duas horas é realmente necessário? Para períodos maiores não há intervalos programados quando os celulares podem ser usados livremente acompanhados de um cafezinho?

O que noto é que estamos sacrificando momentos de nossas vidas que nos pedem nossa total atenção para que gravemos o momento em nossa memória, os cheiros que sentimos, as conversas, as luzes, o que aprendemos com aquilo por uma postagem, por uma curtida, uma conversa que no dia seguinte já não vai ter a menor importância. Estamos nos conectando ao aparelho e às pessoas de nossa lista de contatos mas não com a gente mesmo e com quem está ali em carne e osso bem na nossa frente.

No filme de 2008, 10 anos atrás, podemos ver o que a animação da Pixar, Wall-E, previa (e deve ainda prever) para o nosso futuro caso continuemos a nos conectar tanto com os aparelhos e não com o mundo ao nosso redor. Além dos robozinhos super simpáticos, nós, os seres humanos, somos retratados como criaturas inertes, alienadas, que só se falam através de suas telas, sem sequer se dar conta de que a realidade é que não vivem mais no planeta terra, agora tomado por lixo produzido por nós mesmos. Eu sempre noto que as animações mostram muito mais do que personagens fofinhos e felizes, mas também uma mensagem e, tenho certeza, essa é a mensagem de Wall-E.

Eu posso ser chata hoje para muita gente quando reclamo nos eventos que não combinam com celular fazendo um sonoro "SHIU" ou soltando (voluntariamente ou não) um palavrão. Eu ainda filmo trechos dos shows que vou, quando há muitas pessoas e celulares já fazem parte do espetáculo. Eu ainda posto algumas coisas mais bacanas que faço nas redes sociais, mas é uma postagem rápida apenas. Acho sim que as redes sociais são uma ótima ferramenta para muitas coisas, incluindo a conexão com pessoas queridas que moram longe ou que não tenho a oportunidade de ver frequentemente. Mas cabe um pouco mais de empatia, já que quem está ao nosso redor pode se sentir deixado de lado porque interagimos mais com o celular do que com a pessoa. Também o coleguinha que sentou na poltrona próxima, e pagou caro pelo ingresso, quer aproveitar o filme / espetáculo / show / palestra / evento sem a interferência de uma luz brilhante na escuridão.

Outra coisa muito importante é a gente assumir a responsabilidade pelo nosso tempo, seja ele para diversão, trabalho ou puro ócio. Quando delegamos a nossa vida, que é a coisa mais preciosa que temos, a um aparelhinho desenvolvido por pessoas que nem conhecemos há algo bem errado com a gente. Antes as críticas eram dirigidas à televisão, que Renato Russo descreve em uma de suas canções como "Teatro dos Vampiros", mas hoje em dia o aparelho nos acompanha a todos os lugares, registra e acessa tudo o que fazemos, de curtidas a lugares onde estivemos, ao contrário da televisão que fica em casa quietinha quando saímos. Quando temos que dar satisfação do que fazemos a uma platéia virtual, que muitas vezes nem conhecemos profundamente, também há algo errado. Quando nos acostumamos a falar todo o tempo com as pessoas próximas a nós, inclusive durante um tempo que deveria ser só nosso, será que não devemos pensar como e porquê nos educamos a isso? Será que não merecemos ter um tempo com a gente mesmo, nem que sejam os minutos contatos de um filme ou espetáculo, que sabemos com antecedência, quando começa e quando termina? Será que não devemos nos programar de acordo com os eventos e não ficarmos semi presentes neles devido ao uso do celular? Nós, os mais velhinhos, sabíamos viver bem sem a tecnologia, que deveria servir para fazer a nossa vida melhor e não atrapalhá-la. Cabe a nós também nos educarmos e ensinarmos os mais novinhos que há um horizonte enorme de coisas bacanas a serem feitas quando levantamos nossos olhos das telinhas brilhantes, há um mundo enorme e bonito de pessoas e coisas a nosso redor e só o que nos impede de darmos conta disso somos nós mesmos.